Tem dias que eu fico como um covarde olhando a tarde cinza passar como uma rede de pesca através da janela do escritório, e chego mesmo a ver sombras ou vultos, que se aproximam silenciosamente, e ficam parados junto à porta, me observando, sem dizer nada. Outro dia, olhando um Ford Escort modelo antigo, de cor marrom ferroviário, que passava devagar lá embaixo na Regente Feijó, pensei: como coisas menores ou singulares podem, às vezes, desbloquear coisas grandes. Como uma pequena chave que põe a funcionar um potente motor, ou que nos abre um cofre, onde pensamos poder encontrar o tesouro, com o qual sonhamos obsessivamente. No entanto, muitas vezes, permanecemos absortos e paralisados, apenas observando a realidade ao nosso redor, com a chave nas mãos, admirando-a, achando-a magnífica, como se fosse ela o tesouro que estamos a procurar. Às vezes a chave é uma corrente elétrica, com a qual mantemos presa a fera, como as partículas invisíveis que compõem a matéria. Imagino sobre o que aconteceria se jogássemos a chave fora (?) Se parasse de falar por metáforas, e quebrasse logo a vidraça? O que ocorreria com o Tempo? E o frango na panela de pressão? Caso não houvesse aquelas bolinhas de gude, ou aquelas bolhas coloridas de sabão Corel Draw carregadas de criaturinhas metálicas com capacetes brancos?

Muitas vezes me sinto preso a este tempo e espaço apenas por um fino fio de cabelo, ou algo mais tênue ainda que isso.

O problema estava em mim esta manhã.
O problema está no meu corpo agora.
Perdemos muito tempo acreditando em Freud
e só nos fodemos...

Junky Kids

Outras vezes, eu acordava no meio da noite ouvindo o barulho de correntes e catracas de bicicletas. Em seguida, era como se uma cascata de luz, uma luminosidade difusa, passasse a vasculhar minha cabeça por dentro...

Tenho procurado me aproximar cada vez mais da realidade das coisas, muito embora não consiga nunca estabelecer o que de fato venham a ser.

A imagem refletida me confunde Cansei de ficar que nem louco, caindo de joelhos aos pés de estátuas; Aguardando a vez. Aguardando respostas do Além... Talvez, por isso você não me suporte. Nos meus sonhos você está sempre de preto carregando seu notebook em uma valise.

Eu sou um andróide E três macacos num Hummer vermelho me perseguem, dando voltas no Tempo, passando por cima da cama, entrando e saindo do acostamento, escondendo-se na sombra

Era como se houvesse algo horrível invisível a nos separar
uma invisibilidade momentânea; Como se estivéssemos aparentemente bem próximos mas, em verdade, essencialmente bem distantes...

Monstros coloridos estão invadindo os meus sonhos
depositando larvas e toxinas sob as folhas das margaridas no jardim

Eu grito seu nome.
Venha correndo me trazer um pouco de sódio
algum antídoto.

Há uma incongruência no ar; perguntas sem respostas; monitores ligados;
duas crianças brincando, trepadas no portão
esperando o velho sedan encostar. Uma peça que não se encaixa;
Um raciocínio lógico, primata (de psicopata);
um sentimento no sense; uma mensagem cifrada.
Uma placa de contramão, uma tragédia noir

Há uma entidade não-manifesta em seu olhar.
Às vezes eu me sentia tão triste e deprimido
que chorava bolhas coloridas de sabão por coisas ilusórias
Como era ilusório um romance no Céu.
Me desculpe, mas agora vou ter que desligar.




Mundo Inseto (Céu e Inferno) Na história da ciência, o colecionador de espécimes precedeu o zoologista. E seguiu as pegadas dos expoentes da teologia natural e da magia. Deixou de estudar os animais com o espírito dos autores de bestiários, onde a formiga representava a engenhosidade, a pantera, por estranho que possa parecer, era um emblema de Cristo, e a doninha constituía um escandaloso exemplo de desenfreada lascívia. Mas, a não ser de forma muito incipiente, ele não era ainda um fisiologista, um ecologista, ou um estudioso do comportamento dos animais. Sua preocupação primeira consistia em fazer um levantamento, recolher, matar, empalhar e descrever tantos animais quantos lhe fosse dado apanhar.

Tal e qual a Terra de há um século, nossa mente ainda possui suas misteriosas Áfricas e Amazônias, seus insondáveis Bornéus. Com relação à fauna dessas regiões, ainda não somos zoólogos; não passamos de naturalistas ou colecionadores de espécimes. Esta constatação é triste, mas temos de nos conformar com ela da melhor maneira possível. Embora humilde, a tarefa do colecionador tem de ser feita, antes que possamos empreender trabalhos científicos mais elevados: a classificação, a análise, a experimentação e a elaboração da doutrina.

Da mesma forma que a girafa e o ornitorrinco, as criaturas que habitam as regiões mais remotas da mente são incrivelmente inverossímeis. E, não obstante, existem, são constatáveis pela observação. Como tal, não podem ser ignoradas por aqueles que realmente procuram compreender o mundo em que vivem.

É difícil; quase impossível, falar de fatos mentais, a não ser por meio de analogias tomadas de empréstimo ao universo que nos é mais familiar: o das coisas materiais. Se me vali de metáforas geográficas e zoológicas não foi por simples capricho, ou apenas para ser jocoso, e sim porque tais figuras exprimem, com bastante vigor, a dessemelhança essencial das regiões longínquas da mente, a completa autonomia e auto-suficiência de seus habitantes

A mente humana é composta do que poderíamos chamar de um Velho Mundo de seu consciente e, para além de um mar divisório, de uma série de Novos Mundos – as não muito longínquas Virgínias e Carolinas de seu subconsciente coletivo, com sua flora de símbolos e suas tribos de hábitos nativos; e além, muito além, do outro lado do vasto oceano, finalmente os antípodas da consciência cotidiana: o mundo da Experiência Visionária.

Quem for para a Nova Gales do Sul verá marsupiais a saltar pelas campinas. Também, quem buscar os antípodas do consciente, há de encontrar criaturas de toda espécie, no mínimo tão estranhas quanto o canguru. Ninguém as inventa; do mesmo modo pelo qual ninguém inventa os marsupiais. Elas têm vida própria, em completa independência. O homem não as pode dominar. Tudo o que pode fazer é ir para o equivalente mental da Austrália e olhar em torno de si. Há pessoas que jamais descobrem, conscientemente, seus antípodas. Outras podem lá chegar por acaso. No entanto, para outras (aliás, em pouquíssimo número) é fácil chegar a essa região e dela regressar quando bem lhe aprouver.

Para um naturalista da mente, o colecionador de espécimes psicológicos, o principal é conseguir um método fácil e seguro, que lhe permita transportar-se, e a outros, do Velho para o Novo Mundo, do continente das vacas e cavalos familiares para o do canguru e do ornitorrinco.
Existem dois métodos para isso. Nenhum dos dois é perfeito, mas ambos são suficientemente eficientes, fáceis e seguros para justificar sua adoção por aqueles que sabem o que estão fazendo.

No primeiro caso, a alma é transportada para seu longínquo destino por meio de uma droga: a mescalina ou o ácido lisérgico. No segundo, o vínculo é de natureza psicológica, e a passagem para os antípodas da mente se faz pelo hipnotismo. Ambos os métodos transportam a percepção para a mesma região, mas a droga possui maior alcance e leva seus passageiros até mais longe, às profundezas da Terra Incógnita.
Thanks, Aldous; )